Enquanto o particular pode fazer tudo que a lei não proíba, a atuação administrativa no Brasil está condicionada ao princípio da legalidade estrita, segundo o qual, o agente público somente pode fazer o que a lei autoriza. São reflexos da legalidade na administração pública: a exigência de licitação para contratar obras ou serviços; a obrigatoriedade de concurso público para a contratação de servidores efetivos; a impossibilidade de contratar parentes etc.
Dessa forma, o administrador público não atua não como dono do patrimônio público, mas como mandatário do verdadeiro titular do patrimônio público: o povo, cuja vontade se manifesta mediante as leis.
A partir deste raciocínio chega-se a uma lógica da necessidade de controle da atividade administrativa, para que se possa aferir a compatibilidade da atuação administrativa com as normas que regem a administração pública. Este controle tem o objetivo tanto de fiscalizar a correção dos atos administrativos quanto corrigir eventuais erros de tais atos.
Dessa forma, controle da Administração é “o conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos quais se exerce o poder de fiscalização e de revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas de poder”.
O controle da administração pública é regulamentado através de diversos atos normativos, que trazem regras, modalidades e instrumentos para a organização desse controle. Vejamos as variadas categorias do controle administrativo nos tópicos a seguir.
Controle quanto ao órgão que o realiza:
Controle Interno
Também denominado de “autocontrole” é todo aquele efetuado pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em relação ao seu próprio ato, quando na função administrativa. Está previsto no art.74 da Constituição Federal.[1] Ex: as auditorias que verificam a conformidade do cumprimento do orçamento.
A Constituição Federal prevê a responsabilidade solidária dos responsáveis pelo controle interno, quando deixarem de dar ciência ao TCU de qualquer irregularidade ou ilegalidade que tomarem conhecimento (§ 1º do art.74).
Controle Externo
Conhecido também como “heterocontrole” é aquele em que um Poder exerce controle sobre os atos de outro Poder. Ou seja, o órgão de controle está situado em órgão de Poder diverso daquele de onde se originou a conduta objeto do controle.
Decorrência do sistema de freios e contrapesos (checks and balances), o sistema jurídico prevê diversos mecanismos para possibilitar que um Poder exerça o controle sobre os atos de outro.
Como exemplos desta modalidade de controle, temos: o controle judicial da legalidade dos atos administrativos; a necessidade de aprovação de autoridades indicadas pelo Executivo pelo Senado Federal; a prerrogativa que tem a Câmara dos Deputados de admitir o processo contra o Presidente da República por crimes de responsabilidade; a possibilidade de fiscalização e controle de atos administrativos pelas chamadas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), sustação de ato normativo do Poder Executivo pelo Legislativo etc.
O controle popular é também considerado uma espécie de controle externo. A Constituição possibilita, por exemplo, que as contas dos Municípios fiquem, durante 60 dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, com a possibilidade de questionamentos quanto à legitimidade.
Controle quanto ao momento em que se efetua
Controle Prévio ou preventivo
É o controle realizado antes da concretização do ato administrativo, como acontece no mandado de segurança ajuizado para justamente impedir a execução do ato; ou com a necessidade de prévia aprovação da nomeação pelo Executivo do Presidente e diretores do Banco Central por parte do Senado Federal.
Controle Concomitante
Em algumas hipóteses, o ato é controlado à medida que vai se desenvolvendo. É o caso da fiscalização da execução do contrato administrativo, por exemplo.
Controle Posterior ou Subsequente
O chamado controle posterior ou corretivo é aquele realizado após a concretização do ato, a fim de aferir sua conformidade com a lei. Tal controle pode gerar a revisão, a correção, o desfazimento do ato ou sua confirmação.
A depender do caso, portanto, o ato pode ser aprovado, corrigido, desfeito, anulado ou confirmado.
Quanto à natureza do Controle ou aspecto controlado
Controle de Legalidade
É o controle destinado a verificar a adequação da atuação administrativa com as normas legais que a vinculam. Nesse sentido, o controle de legalidade pode ser sempre levado a efeito pelo Judiciário, vez que nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação do Poder Judiciário.
O controle de legalidade também pode ser ser efetuado tanto pela própria Administração, mediante o poder de autotutela, segundo o qual a Administração pode revisar seus próprios atos, anulando-os, caso se constante uma desconformidade legal.
Já o controle de legalidade pelo Legislativo somente é possível nos casos constitucionalmente previstos. O art.71, III, da Constituição prevê, por exemplo, o controle de legalidade dos atos de admissão de pessoal por parte do Tribunal de Contas da União.
Controle de Mérito
O chamado mérito do ato administrativo é constituído pela conveniência e oportunidade do mesmo, sempre visando a uma finalidade pública. Um ato administrativo pode ser legal, mas inconveniente ou inoportuno.
Diante do postulado da separação de poderes, o exame da conveniência e oportunidade do ato administrativo é levado a efeito, via de regra, pela própria administração pública.
Apenas em hipóteses excepcionais, previstos expressamente pela Constituição, é possível que o mérito seja objeto de controle do Legislativo. Não se admite tal exame por parte do Judiciário.
Conclusão
O controle dos atos da administração pública se constitui em imperativo de um modelo de Estado submetido ao primado da lei, ao Estado de Direito. Nesse contexto, o administrador público age como mero gestor de um patrimônio que não lhe pertence, e sim à coletividade.
Nesse diapasão, o objetivo do controle é garantir que a conduta administrativa atenda aos princípios e balizas impostos pelo ordenamento jurídico, como expressão da vontade do povo, verdadeiro detentor da coisa pública (res pública) em um sistema republicano. Assim, o controle da atuação administrativa, mais do que simples faculdade, constitui um dever, um poder-dever irrenunciável dos órgãos a quem o sistema jurídico atribui a responsabilidade pelo controle.
Somente a partir de um efetivo controle da atividade estatal, será possível garantir que os recursos sob a gestão do Estado atendam à finalidade pública a que se destinam, reverberando no desenvolvimento do país e no bem-estar da população.
Marilene Matos é advogada pela UnB e mestre em Direito Constitucional. Professora do curso de pós-graduação em Gestão Pública e Compliance da Faculdade Republicana